sexta-feira, 15 de julho de 2011

História da tenda vermelha



Então, Raquel trouxe os ídolos e todas se calaram. Os deuses domésticos haviam ficado escondidos até aquele dia. Eu era bem pequena quando os vira pela última vez, mas lembrava deles como velhos amigos: a mãe grávida, a deusa que tinha cobras enfeitando seu cabelo, o que era homem e mulher ao mesmo tempo, o pequeno carneiro carrancudo. Raquel dispôs todos eles cuidadosamente lado a lado e escolheu a deusa que tinha forma de um sapo sorrindo. A boca aberta da deusa continha todos os seus ovos para protegê-los e as pernas alargavam-se em um triângulo em forma de adaga, preparando-a para pôr milhares de ovos mais. Raquel friccionou com óleo a estatueta de obsidiana até ela brilhar e pingar à luz das lamparinas. Eu olhei para a cara tola do sapo e dei uma risada, mas ninguém riu comigo.
No momento seguinte, vi-me do lado de fora da tenda acompanhada de minha mãe e minhas tias. Estávamos em um canteiro de trigo no centro da horta, um local escondido onde se cultivava o cereal destinado aos sacrifícios. O solo havia sido limpo e preparado para ser plantado depois do retorno da lua e eu estava despida, deitada de bruços na terra fria. Estremeci. Minha mãe encostou minha face no chão e soltou meu cabelo, espalhando-o à minha volta. Estendeu meus braços, que ficaram abertos “para abraçar a terra”, como ela murmurou para mim. Dobrou meus joelhos e puxou as duas solas dos meus pés até uma tocar a outra “para devolver o primeiro sangue à terra”, disse Lia. Sentia a brisa da noite em meu sexo, e era estranho e maravilhoso estar tão aberta assim ao ar livre.
Minhas mães reuniram-se em torno de mim: Lia junto à minha cabeça, Bilah do meu lado esquerdo, a mão de Zilpah na parte de trás de minhas pernas. Eu estava sorrindo com o sapo, meio adormecida, sentindo amor por todas elas. A voz de Raquel atrás de mim quebrou o silêncio.
- Mãe! Innana, Rainha da Noite! Aceite a oferta de sangue de vossa filha, em nome da mãe dela, em vosso nome. Que ela possa viver em seu próprio sangue, que com seu próprio sangue ela possa dar vida.
Não senti dor. O óleo facilitou a penetração e o triângulo estreito encaixou-se perfeitamente quando entrou em mim. Eu estava virada para o oeste e a pequena deusa voltava-se para o leste quando abriu a porta de meu ventre. Deixei escapar um grito, não tanto de dor mas de surpresa, talvez até de prazer, pois me parecia que a própria Rainha estava deitada sobre mim, com Dumuzi, seu consorte, deitado por baixo. Eu era como um pedaço de pano que tivesse ficado entre os dois enquanto se amavam, aquecida pela grande paixão entre eles.
Minhas mães gemeram baixinho, solidárias. Se eu conseguisse falar, teria garantido a elas que estava perfeitamente feliz. Pois todas as estrelas do céu tinham entrado em meu ventre atrás das pernas da pequena deusa sorridente em forma de sapo. Na noite mais serena e extraordinária desde a separação da terra e da água, da terra e do céu, eu estava deitada, ofegante, sentindo que girava pela imensidão infinita da noite. E, quando comecei a cair, não tive medo.
A Tenda Vermelha, págs. 200-202.
Este é um trecho do livro  de Anita Diamant,  fala da primeira menstruação de Dinah que é a única filha de Jacó .  O livro nos conta especialmente das mulheres da tribo de Jacó e em diversos trechos sobre a Tenda Vermelha ou tendas lunares. O local onde as mulheres se reuniam no período menstrual e onde realizavam cerimônias e rituais femininos. 




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