sexta-feira, 29 de julho de 2011

A tecelã- A Caixa do Elefante

Ontem recebi um presente, um momento mágico, um encontro...
Vi uma peça teatral onde me vi
e lá estava eu me vendo com um antigo amor
eu era parte do cenário 
era o personagem 
e era o público
lá na platéia 
também estava o meu antigo amor
eu o vi, 
ele se viu,
nos vimos...
e me pergunto:

Será que ele sabe que aquela história 
é semelhante ao que vivemos?
Que a arte imitou nossa vida?

A história trata de uma tecelã que tece um mundo novo para si. 
Nesse mundo há um príncipe, por quem a tecelã se apaixona. 
A relação entre os dois, no entanto, não segue o padrão ideal do resto do mundo criado.
Isso motiva a criadora a destecer o mundo, a desfazê-lo. 
A narrativa, tanto de Colassanti como da Caixa de Elefante, 
permite uma metáfora sobre as relações, 
sobre as intenções, sobre os sonhos que, às vezes, aprisionam o homem contemporâneo. 
A personagem cria na literatura às ilusões que a encenação cria, 
essas que estimulam, por sua vez, as ilusões que 
a plateia cria ao assistir o belíssimo espetáculo. 
Todos os elementos postos em cena demonstram habilidade, eficiência e técnica. 
O espetáculo encanta, diverte e faz pensar.  

(Análise: Rodrigo Monteiro)

quarta-feira, 27 de julho de 2011

O essencial...

O tempo e as jabuticabas

'Contei meus anos
e descobri que terei menos tempo
para viver daqui para frente do que já vivi até agora.

Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas.
As primeiras, ela chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.


Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. 
Não tolero gabolices.


Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.
Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos 
para reverter a miséria do mundo.

Não quero que me convidem 
para eventos de um fim de semana com a proposta de abalar o milênio.
Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir
estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos.  
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, 
que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões
 de 'confrontação', onde 'tiramos fatos a limpo'. 
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo 
majestoso cargo de secretário geral do coral.


Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou:
'as pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'. 
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos,

quero a essência, minha alma tem pressa...


Sem muitas jabuticabas na bacia,
quero viver ao lado de gente humana, muito humana;
que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos,
não se considera eleita antes da hora,
não foge de sua mortalidade,
defende a dignidade dos marginalizados, 
e deseja tão somente andar ao lado do que é justo.


Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.'
O essencial faz a vida valer a pena.


(Rubem Alves)

sexta-feira, 15 de julho de 2011

História da tenda vermelha



Então, Raquel trouxe os ídolos e todas se calaram. Os deuses domésticos haviam ficado escondidos até aquele dia. Eu era bem pequena quando os vira pela última vez, mas lembrava deles como velhos amigos: a mãe grávida, a deusa que tinha cobras enfeitando seu cabelo, o que era homem e mulher ao mesmo tempo, o pequeno carneiro carrancudo. Raquel dispôs todos eles cuidadosamente lado a lado e escolheu a deusa que tinha forma de um sapo sorrindo. A boca aberta da deusa continha todos os seus ovos para protegê-los e as pernas alargavam-se em um triângulo em forma de adaga, preparando-a para pôr milhares de ovos mais. Raquel friccionou com óleo a estatueta de obsidiana até ela brilhar e pingar à luz das lamparinas. Eu olhei para a cara tola do sapo e dei uma risada, mas ninguém riu comigo.
No momento seguinte, vi-me do lado de fora da tenda acompanhada de minha mãe e minhas tias. Estávamos em um canteiro de trigo no centro da horta, um local escondido onde se cultivava o cereal destinado aos sacrifícios. O solo havia sido limpo e preparado para ser plantado depois do retorno da lua e eu estava despida, deitada de bruços na terra fria. Estremeci. Minha mãe encostou minha face no chão e soltou meu cabelo, espalhando-o à minha volta. Estendeu meus braços, que ficaram abertos “para abraçar a terra”, como ela murmurou para mim. Dobrou meus joelhos e puxou as duas solas dos meus pés até uma tocar a outra “para devolver o primeiro sangue à terra”, disse Lia. Sentia a brisa da noite em meu sexo, e era estranho e maravilhoso estar tão aberta assim ao ar livre.
Minhas mães reuniram-se em torno de mim: Lia junto à minha cabeça, Bilah do meu lado esquerdo, a mão de Zilpah na parte de trás de minhas pernas. Eu estava sorrindo com o sapo, meio adormecida, sentindo amor por todas elas. A voz de Raquel atrás de mim quebrou o silêncio.
- Mãe! Innana, Rainha da Noite! Aceite a oferta de sangue de vossa filha, em nome da mãe dela, em vosso nome. Que ela possa viver em seu próprio sangue, que com seu próprio sangue ela possa dar vida.
Não senti dor. O óleo facilitou a penetração e o triângulo estreito encaixou-se perfeitamente quando entrou em mim. Eu estava virada para o oeste e a pequena deusa voltava-se para o leste quando abriu a porta de meu ventre. Deixei escapar um grito, não tanto de dor mas de surpresa, talvez até de prazer, pois me parecia que a própria Rainha estava deitada sobre mim, com Dumuzi, seu consorte, deitado por baixo. Eu era como um pedaço de pano que tivesse ficado entre os dois enquanto se amavam, aquecida pela grande paixão entre eles.
Minhas mães gemeram baixinho, solidárias. Se eu conseguisse falar, teria garantido a elas que estava perfeitamente feliz. Pois todas as estrelas do céu tinham entrado em meu ventre atrás das pernas da pequena deusa sorridente em forma de sapo. Na noite mais serena e extraordinária desde a separação da terra e da água, da terra e do céu, eu estava deitada, ofegante, sentindo que girava pela imensidão infinita da noite. E, quando comecei a cair, não tive medo.
A Tenda Vermelha, págs. 200-202.
Este é um trecho do livro  de Anita Diamant,  fala da primeira menstruação de Dinah que é a única filha de Jacó .  O livro nos conta especialmente das mulheres da tribo de Jacó e em diversos trechos sobre a Tenda Vermelha ou tendas lunares. O local onde as mulheres se reuniam no período menstrual e onde realizavam cerimônias e rituais femininos. 




quinta-feira, 14 de julho de 2011

Viver sem menstruar?

Menstruo porque sou MULHER... 

Porque desde que ajuntamos pó de estrelas suficientes para formar nosso corpo, a cada mês, o MEU CORPO, o MEU TEMPLO, o fruto da engenharia PERFEITA da NATUREZA, se prepara para proteger e nutrir a VIDA. E, se uma vida não é formada, despejo meu SAGRADO SANGUE para fertilizar toda a TERRA.


Tenho TPM porque vivo numa sociedade (ainda) patriarcal e machista que TEME tudo aquilo que NÃO ENTENDE e, portanto, quer eliminar tudo aquilo que AMEAÇA a sua ILUSÃO de estabilidade, de permanência.Tenho TPM porque a PAUSA é parte FUNDAMENTAL de uma vida saudável, plena, FELIZ... Tenho TPM porque vivo num mundo que não respeita as minhas pausas, as minhas necessidades individuais... nem as minhas, nem as de ninguém. Tenho TPM porque fui criada como um Ser sensível às vibrações de todos os níveis de realidade, não somente os mais visíveis, e tenho dentro de mim a SABEDORIA de ser um canal de COMUNICAÇÃO entre eles. No entanto, vivo num mundo onde o Deus CHRONOS, com seus moldes, fôrmas, estruturas pré-definidas e tic tacs devoradores da vida, persegue e crucifixa diariamente o Deus KAIRÓS - padroeiro da CRIATIVIDADE, da ESPONTANEIDADE, da LIBERDADE... 


Menstruo porque a NATUREZA foi GENEROSA para comigo e minhas irmãs - incrustou em mim a SABEDORIA da nossa avó LUA: a de SABER ESVASIAR-SE para, então, tornar-me plena novamente. Menstruo pois a LUA DENTRO DE MIM conhece os CICLOS DA VIDA e sabe, mesmo que lá no fundo, que é necessário SABER MORRER para poder RENASCER, limpa de tudo aquilo o que é velho. 


AMO menstruar - mesmo com minhas cólicas, seios inchados e outras formas que meu corpo encontra para me dizer: PARE, este momento é SEU (e não do seu chefe!), pois tenho a CORAGEM de experimentar a VIDA com tudo o que ela tem: com suas dores e seus Amores... seus prazeres e desprazeres... seus ABSURDOS e suas GRAÇAS... e, à cada mês, recebo uma sublime aula sobre a IMPERMANÊNCIA de tudo o que existe. Não sou hoje a que fui ontem... nem serei amanhã a que hoje sou. 


Fui criada para saborear brisas e tempestades e a VIDA dentro de mim PULSA PELO MOVIMENTO. MENSTRUAR É MOVIMENTAR! AMO MENSTRUAR pois acho PURA POESIA viver as fases da LUA dentro de mim... e as minhas fases me ensinam que é preciso HUMILDADE para compreender o SENTIDO de tudo aquilo que acontece. 


A vida não evoluiu por milhões de anos para criar um ser que adoece a cada mês: mais HUMILDADE, senhora medicina, fiel súdita da indústria farmacêutica. Tens apenas poucas centenas de anos e tu simplesmente não existirias, enão fosse a GENEROSIDADE da mesma natureza que nos criou assim como somos. 


Mais CUIDADO senhores médicos: não se pode falar com propriedade daquilo que não se experimentou com seu próprio corpo, suas próprias emoções ou, pelo menos, a partir da sua capacidade de EMPATIA. Saúde, já dizia meu pai, é saber DANÇAR COM AS ESTAÇÕES. E as estações de fora são as mesas de dentro. 


MULHERES, Temos a BENÇÃO de ter um corpo que flui com a VIDA à cada mês, não importa o quão desconectadas estejamos da HARMONIA do mundo em que vivemos. Deixaremos mais uma vez nos CALAR a VIDA que pulsa dentro de nós? Entregando nossos corpos, nossos TEMPLOS, para pessoas sem rostos e sorrisos em salas FRIAS E ESTÉREIS para os forçar a se ADEQUAR à um sistema que encontra-se profundamente DOENTE?



E, no final, descobriremos que a questão não é menstruar ou não... não é descobrir se quem pari é a mulher ou o médico... é SE DAR CONTA de a INQUISIÇÃO ainda não terminou - apenas transformou a forma de FAZER CALAR O FEMININO EM NÓS - uma forma cada vez mais sutil e, portanto, cada vez mais eficaz.
(Reflexões de Belinha Crema sobre o movimento "viva sem menstruar")


terça-feira, 12 de julho de 2011

OLHAr

eu
quando olho nos olhos
sei quando uma pessoa
está por dentro
ou está por fora

quem está por fora
não segura
um olhar que demora

de dentro de meu centro
este poema me olha


(Paulo Leminski)

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Poema Egípcio


"Até onde se sabe, foi no período do Novo Império 
que surgiram os primeiros poemas de amor egípcios. 
Evidentemente, eles não tinha a forma lírica que nós conhecemos, nem eram rimados. 
Talvez tivessem um "ritmo", mas é difícil saber, 

porque desconhecemos qual era a pronúncia real da língua.
A linguagem era simples e direta,
 retratando a fala de um ou outro dos amantes, 
ou de ambos alternadamente, 
ou ainda de uma terceira pessoa, o "poeta". 
O poema seguinte, escrito por volta de 1300 a.C.,  
faz parte do Papiro Harris 500, guardado no British Museum:

 
Ele:
É uma bebida inebriante para mim o ouvir a tua voz,
oh, magnífica do meu coração.
Vem. É a hora da eternidade que nos chega.

Ela:
Meu coração fica em suspenso quando estou em teus braços,
oh, dono do meu corpo,
e tu fazes aquilo que se espera.
Oh, sim, é doce a hora da eternidade."

segunda-feira, 4 de julho de 2011

No CAminho...

Há infinitas paradas
no caminho 
de quem só almeja
a chegada!!!