É o  silêncio
É o silêncio, é o cigarro e a vela  acesa.
Olha-me a estante em cada livro que olha.
E a luz nalgum volume  sobre a mesa…
Mas o sangue da luz em cada folha.
Não sei se é mesmo a  minha mão que molha
A pena, ou mesmo o instinto que a tem presa.
Penso um  presente, num passado. E enfolha
A natureza tua natureza.
Mas é um bulir  das cousas… Comovido
Pego da pena, iludo-me que traço
A ilusão de um  sentido e outro sentido.
Tão longe vai!
Tão longe se aveluda esse teu  passo,
Asa que o ouvido anima…
E a câmara muda. E a sala muda,  muda…
Àfonamente rufa. A asa da rima
Paira-me no ar. Quedo-me como um  Buda
Novo, um fantasma ao som que se aproxima.
Cresce-me a estante  como quem sacuda
Um pesadelo de papéis acima…
E abro a janela. Ainda a  lua esfia
últimas notas trêmulas… O dia
Tarde florescerá pela  montanha.
E ó minha amada, o sentimento é cego…
Vês? Colaboram na saudade  a aranha,
Patas de um gato e as asas de um morcego.
Pedro Kilkerry
(1855-1917)

Nenhum comentário:
Postar um comentário